Notes

(Um grande sorriso forma-se nos lábios de Maximoff ao ouvi-lo se expressar tão bem em um idioma que não é o seu natural. As orbes da Feiticeira pousam nos olhos verdes de Angel. — Não tanto quanto eu gostaria, mas... aqui estamos!)

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[Sinta-te à vontade para colocar a tocar. Lembrei-me de tua essência com esta canção: https://youtu.be/FkUtxi4CtzQ]

«A alma, felizmente, tem um intérprete—muitas vezes um inconsciente, mas ainda um intérprete fiel—, no olho.»

[Charlotte Brontë, Jane Eyre]


«A alma, felizmente, tem um intérprete—muitas vezes um inconsciente, mas ainda um intérprete fiel—, no olho.» [Charlotte Brontë, Jane Eyre]


Os olhos de Angel nutrem placidamente o contacto com as orbes verdes da Feiticeira. Enquanto a coloração dos olhos do homem em negro eram como o verde de uma vibrante floresta—os de Wanda eram presumidamente verdes a qualquer alma desatenta aos detalhes.


Angel, desfrutava dos pormenores de tudo como poucos.


Era isso sobre ele, dentre outros detalhes a seu respeito, que lhe tornava um bom esposo, segundo, sua alma prometida.


Talvez deva-se a sua impermanência imbuída em 'Shoganai', essa certa estima de sua parte por colecionar detalhes sobre tudo e todos. Bem, quase tudo e quase todos. Provavelmente tal facto tenha afinal exercido sobre esse «fenómeno» um peso bem-vindo. Porém, o que pode classificar algo como bem-vindo, se as boas vindas são em suma uma experiência pessoal?


O facto de Angel nunca saber quando virá a ser arrebatado da presença da esposa e quando tornar-se-á capaz de ter com ela, é o género de peso passível de salvar vidas por-se estar a sustentar entre os dedos, pois ninguém mais viria a ousar tocar. Depois de tudo, há detalhes que quase ninguém é capaz de lidar—como o trabalho feito por ele e Mokni em Soulshine. Ou mesmo peculiares olhos como os verdadeiros ocultados por Angel. Houve certos momentos na história da humanidade terrestre em que os humanos arrancaram os olhos como os pertencentes a ele em uma tentativa brutal de erradicar o mal que acreditavam advir de sua existência. No entanto, para grande desgosto dos perpetradores de tamanha crueldade, os ímpios olhos surgiam uma vez mais intactos nas órbitas. As tentativas foram repetidas imensuráveis vezes, como se um resultado diferente pudesse ser obtido realizando-se a mesma atividade, mesmo que de outras maneiras.


Entretanto, a loucura logo os alcançava e ao final, desafortunadamente, muitos dos verdugos acabaram arrancando as próprias orbes das cavidades oculares numa baldada tentativa de escapar do que acreditavam tratar-se de uma maldição.


Se foram ou não os olhos do próprio Angel extirpados de seu lugar, não havia como o mesmo lembrar-se, uma vez que suas memórias apresentam-se desnuda de linearidade. E a cada retorno, perde-se uma ou outra memória que pode vir—ou não—a restaurar-se numa vida próxima.

Não é de grande valia ser incapaz de saber se haverá uma próxima, como é o caso de Angel, que não teve aos sete anos um sonho orbitando seu Grande Regresso.


Para muitos, o desconhecido é como uma floresta envolta em trevas que abraça os seus mistérios, como as asas de um corvo, e onde não se conhece o que pode ou não estar à espreita, voltando seus olhares para o nada. E cabe a cada um decidir com que olhos olhar. Àqueles que escolheram desarraigar olhares, decidiram não olhar.


Assim que, se os detalhes fossem capazes de conjurar o Diabo, Angel viria a ser—neste hipotético contexto—, Lucifer.


Como os olhos de Angel—inclusive os verdadeiros em que uma das maiores, embora não a única, peculiaridade consiste no facto de que são despojados da presença das pupilas—, as orbes pertencentes a Feiticeira possuem um anel negro circundando a iris. Na primeira vez que os olhos de Wanda pousaram sobre os dele, Angel, que até então, não atendia por um novo nome, veio a perceber um intrigante, quase imperceptível detalhe sobre os olhos de Maximoff: dito anel encontrava-se de forma subtil afilado em determinadas áreas, como se abandonasse diminutas partes constituintes ao anel, enquanto que o verde e o dourado presentes no presumido—somente—verde dos olhos da amiga, compunham um arrozal de beleza exuberante com uma leve sugestão débil de terra cor de avelã na parte inferior da pupila da Feiticeira.


A maneira natural com que, durante a atual e todas as conversações anteriores que vieram o casal de amigos a ter, Angel simplesmente permite-se manter o penetrante, acolhedor e sereno olhar de chave-mestra sobre o de Wanda—não buscando por porta alguma e, ainda assim, deparando-se com muitas destrancadas—, poderá chegar a Wanda imponente. Como noutra ocasião em que Angel disse-lhe a ela detalhes que ele não tinha meios de conhecer sobre a Feiticeira. Conhecem-se pouquíssimo Maximoff e Angel para esse tanto ele saber sobre ela.


A Feiticeira precisava elevar seu rosto para que seus olhares se mantivessem conectados. A altura de Angel ultrapassa os dois metros, embora pudesse alterar sua forma física e inclusive a altura. Somente não os olhos por conta própria. Nunca os olhos. Estes careciam do uso de tecnologia. A altura de Angel é considerada por alguns intimidadora, para outros desconfortável e para sua esposa—que vive às pontas dos pés como uma bailarina—, perfeito.


Para ele, bastava-lhe isso.


Angel não somente genuinamente escutava o que Wanda lhe estava a falar como estava verdadeiramente interessado e atento ao que se ocultava no silêncio.


Ele percebeu, ante a negativa para o questionamento amigável de sua parte, que Maximoff, de modo parcial, mentalmente aprisionada num estado de espírito em que via-se entre duas paredes que estreitava-se entre si, ameaçando com esmagar como a um inseto sua pessoa a qualquer minuto devido ao tédio.

A parede de uma das duas extremidades poder-se-ia chamar-se 'illusio', não segundo Bourdieu, senão num sentido metafórico. Nada mais é que um interesse em participar e continuar ativo dentro de um contexto social. A parede da outra extremidade, poder-se-ia vir bem a chamar-se 'ataraxia'. Uma imperturbabilidade à beira de uma resiliência apática ante uma situação que apenas 'é', embora o desejo de que 'seja' esteja completamente ausente.


Em resumo: ansiava a Feiticeira mudanças em seu dia-a-dia urgentemente. Estando, inclusive, sob o risco de criar novamente uma nova realidade particular para satisfazer sua inquietação silenciosa.


Desejando evitar que isso suceda, a mente de Angel trabalhou seus caminhos em direção a uma lembrança recente de algo que pode ser feito em colaboração consigo, de modo que os ventos viessem a soprar com gentileza e a favor de Wanda. Entretanto, contudo, sequer uma palavra sobre o aparente insight obtido deslizou de entre os lábios do mesmo e tampouco o seu quase perpetuamente insondável semblante ousou verter uma gota de suas positivas intenções para com Maximoff.


A voz de barítono de Angel, profunda, modulada e melíflua, novamente fez-se ouvir após o breve relato da parte da Feiticera. Palavras enigmáticas. Palavras, com efeito, advindas de outra fonte, mas que nem por essa razão deveriam ser silenciadas. Um sussurro silencioso instruiu-lhe dizer e disse ele:


— Aquela que caminha pelos andares do Inferno encontra a chave dos portões de seu próprio Céu, enterrada lá como uma semente— Uma das laterais da boca ergueu-se ligeiramente num sorriso.


A frase evocada por sua mente, nalgum lugar por seus olhos registrado, fora proferida e uma semente então fora plantada.

Se Wanda Maximoff viria a regar essa semente o suficiente até o crepúsculo daquele dia; se essa frase viesse a abrir-se para o abraço da terra, durante o descanso de seu corpo físico, essa semente, Angel desconhecia tal informação. Tudo o que sabia era que se, desse modo viesse a proceder, referida semente teria sólidas chances de germinar e dar mostras do intoxicante perfume da fortuita flor oniricamente.


Se tudo transcorresse bem, e a frase recitada por Angel lograsse ampliar a vibração energética na qual fora imbuída, tornando possível a Wanda nalgum momento, de qualquer sonho, identificar a presença do arauto que Angel estaria a enviar por ela na forma de uma de suas cartas oníricas que geralmente estão transfigurada na flora e fauna; e que dependendo da pessoa, pode atuar como um portal para uma micro dimensão onírica e temporal conhecida como 'Fenda' — um espaço por Angel projetado para propósitos missionários e momentos lúdicos com amizades por ele entabuladas e nutridas de forma segura em seu transitar pelos mundos, tanto físico como onírico.


Quando Wanda veio a conhecer Angel, ele estava sob uma aparência efémera e não duradoura, portanto aquela versão transitória já se havia desvanecido da memória da Feiticeira, de modo que em sua mente Wanda passou a ver Angel sob uma mesma aparência projetada para poder desfrutar de companhia da amiga—ainda que Angel esteja sob outra por qualquer razão—, no mundo material Angel veio a neutralizar desconfortos que possam orbitar o mais infimo despertar de lembranças indesejáveis desencadeadas por traços físicos que possam remeter a eventos ou presenças que não acolhem, senão o oposto.


A aparência [https://bit.ly/3COZePs] com que se apresentava era a versão que viria adotar para reunir-se com a amiga fora da dimensão onírica em que pretende em breve a reencontrar.


— Nossos caminhos necessitam bifurcar-se por ora. Espero de verdade, little redbird, que venhas regar a semente.


Ao formular a sincera despedida, Angel tomou uma das mãos da amiga entre as suas, consideravelmente maiores. Sobre o dorso desta um fraterno beijo fora sensorialmente depositado—não chegando sequer a encostar os lábios sobre as costas da mão da amiga, Angel moldou sua energia para transmitir a sensação a Wanda. O fraterno beijo sensorial culminou numa ligeira carícia com o polegar, como um irmão mais velho ou uma figura paternal, antes de libertar a mão cativa.


Antes de vir a cruzar a esquina, Angel foi capaz de ver o rubor subir às bochechas da amiga pela primeira vez durante a interação atual entre os dois. A reação familiar o fez sorrir com os olhos.

Um último aceno e Angel se fora.

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