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Se numa conjuntura global em que o equilíbrio seja o fator predominante, se torna
complexo o exercício de uma análise geopolítica e geoestratégica de génese prospetiva,
dada a dependência de inúmeras variáveis, internas e/ou externas ao ator/atores em
questão que um estudo dessa natureza acarreta, na atualidade, dada a intensidade, multiplicidade
a abrangência das alterações que se fazem sentir em todas as áreas do sistema
internacional, a complexidade e incerteza de tal exercício sofrem necessariamente um
aumento exponencial.
Com efeito, a concretizarem-se alguns dos cenários elaborados decorrentes da
atual crise financeira, bem como da emergência asiática enquanto polo geopolítico
diretor de primeira ordem, ou da aparente subalternização do continente europeu,
para apenas citar algumas variáveis, um dado parece naturalmente emergir – o de que o
atual referencial geopolítico global poderá sofrer uma profunda transformação e consequentemente
experimentar uma redefinição de dimensão e consequências de difícil
previsão e mensuração.
A dimensão desta mudança poderá ser igualmente potenciada, de forma exponencial,
pela profundíssima interdependência e interconectividade que marca as sociedades
atuais e respetivas economias1, facto que confere novamente força à designação de “sistema
internacional”, e em que a realidade se poderá aproximar da teorização do “Efeito
Borboleta”, como David Korowicz recente e exemplarmente caracterizou e cenarizou2.
A atual crise económico-financeira, também crescente e inevitavelmente política, que
as economias mais desenvolvidas do mundo ocidental experimentam e especialmente
visível na União Europeia e nos EUA, poderá constituir um dos principais fatores ignidores
geopolíticos de uma profunda reorganização do sistema internacional, a qual, não
obstante apontar a região Ásia Pacífico como o novo epicentro deste último, encerra
elevada complexidade e incerteza quanto ao seu âmbito, consequências, efeitos colaterais
e grau de extensão.
A Federação Russa, enquanto ator integrante do processo de descompartimentação
gerado pela globalização, constituir-se-à igualmente como agente e vítima, isto
é, ela própria agindo como impulsionador dessa mudança, mas sem que no entanto
possua controlo e imunidade quanto aos seus efeitos. Releve-se contudo que o forte
centralismo e autoritarismo que o regime russo evidencia, assim como uma menor
integração da sua economia no plano global, se por um lado se constituem como claros
obstáculos ao seu desenvolvimento, por outro poderão garantir-lhe algum espaço
de manobra e liberdade de ação, especialmente se conjugados com a sua situação de
relativa auto-suficiência.
A forma e a tipologia dos mecanismos utilizados pela Federação no sentido de dar
continuidade ao processo de recuperação que ao longo da última dúzia de anos tem vin-
1 A chamada “descompartimentação” gerada pela globalização, conceito sugerido por Peter Marber (2009: 15).
2 David Korowicz (2012).
A Força da Vontade, a Arte do Possível: Geopolítica 12 e Geoestratégia da Federação Russa
do a experimentar, para além da dependência de fatores e atores externos que necessariamente
encerra, por um lado decorre em grande parte da sua identidade ou carga genética
enquanto ator do sistema internacional, sendo nesse sentido visível uma constância na
sua atuação, e por outro em muito dependerá das lideranças que necessariamente darão
corpo às políticas multivetoriais que lhe servem de base, o que, pelo contrário, encerra
um carácter essencialmente dinâmico e conjuntural.
Neste quadro, a complexa e difícil manutenção de equilíbrios vários entre os principais
polos de poder do regime, uma tarefa que a liderança de Putin até ao momento tem
conseguido salvaguardar através de uma hábil gestão e em grande parte apenas possível
devido ao carácter autoritário do regime, se por um lado se constitui como uma limitação
ao desenvolvimento do país, por outro representa inequivocamente um fator de
estabilidade e poderá revelar-se como um dos principais fatores potenciadores da continuação
do processo de recuperação referido. Com efeito, a ruptura dos atuais quadros
relacionais do regime, de que poderão ser visíveis alguns indícios adiante analisados, ao
invés de poder representar um passo importante no sentido da sua democratização ou
a consequente abertura e transparência no plano económico, poderá sim significar uma
efetiva atomização do poder em torno de células de génese clânica gravitando em torno
dos principais ativos económicos, cujas consequências não obstante serem de difícil
avaliação, serão certamente nefastas à desejada evolução política, económica e social do
regime. Deste modo, e sem que se pretenda secundarizar outras (sérias) limitações que
a Federação Russa evidencia no quadro de execução da sua estratégia nacional, a conjugação
da abertura e estabilidade do regime afigura-se como vital para uma evolução
harmoniosa do país, o que em muito igualmente dependerá da forma e grau de sucesso
que a transição pós-Putin encerrará.
A Federação Russa depara-se assim com desafios cruciais à sua afirmação externa,
porém de génese marcadamente interna, sendo que a sua superação em muito dependerá
de “escolhas existenciais”3 a efetuar. Neste quadro releve-se a opção entre um regime
democrático ou musculado, uma economia assente no mercado ou a manutenção do
proteccionismo estatal, e a liberalização económica, da qual, a concretizar-se, decorrerá
inevitável e certamente uma maior abertura política, geradora de resistências, porém não
totalmente desejada pelas atuais elites dirigentes. O rompimento deste círculo, como que
vicioso – “a manutenção do atual status quo é na sua generalidade incompatível com a
necessidade de liberalização do regime e diversificação da economia, mas estes se efetivados
contribuirão para a destruição do primeiro” - para além da complexidade que
projeta no plano interno, encerra igualmente elevados riscos decorrentes da atual crise
financeira global, disso tendo clara consciência o regime. Deste modo, e enquanto não se
vislumbrar uma evolução e clarificação da atual crise, não se afigura que sejam tomadas
decisões significativas no sentido da abertura do regime, quer do ponto de vista político,
quer económico, mantendo-se assim o país numa atitude de expectativa e prudência estratégica.
Uma pequena referência relativa ao facto de que o grau de opacidade e/ou falta
3 Anders Aslund e Andrew Kuchins (2009).
IDN CADERNOS 13
de liberalização do sistema económico russo não coincide totalmente com a percepção
existente no Ocidente, facto que adiante será analisado, não sendo estranho decerto a
essa falta de rigor informativo, ou mesmo desinformação, a elevada apetência que vários
atores de economias mais desenvolvidas possuem relativamente a alguns sectores económicos
russos.
Ainda no que respeita ao quadro evolutivo da Federação, a recuperação do anterior
estatuto de primeira potência parece estar colocada de parte, pelo menos no curto e
médio prazo, cenário aliás assumido pelas elites dirigentes4, possuindo no entanto o país
potenciais de excelência para a sua (re)afirmação gradual de potência de primeira ordem
no Sistema Internacional. Neste âmbito, o vetor energético constitui um verdadeiro “kit
de sobrevivência” e (re)afirmação geopolítica, de liderança clara e em torno do qual a
base da estratégia nacional gravita5, não sem que possa ser profundamente afetado devido,
entre outras, à atual crise económico-financeira ou à alteração do atual referencial
energético global, em especial no que respeita ao surgimento de novas fontes energéticas
e respetivas formas de extração, transporte e distribuição. Contudo, subsistindo ainda
significativas dúvidas quanto à viabilidade e rentabilidade destas últimas, bem como não
se afigurando possível a efetivação da implementação de tais alterações no curto prazo
por forma a substituir a atual matriz energética, dada também a elevadíssima dependência
energética da economia global em relação ao petróleo e gás natural, a Federação poderá
assim estar substancialmente resguardada das consequências nefastas que tal processo
lhe poderia gerar.
Do antecedente emerge assim naturalmente um conjunto de questões fundamentais
relativamente à reemergência da Federação Russa enquanto ator de primeira ordem do
sistema internacional, e aspirante a integrar o grupo daqueles que, de forma efetiva, o
influenciam, moldam e de alguma maneira o determinam. Entre outras, releve-se:
• qual a extensão e âmbito do processo de regeneração e recuperação desse estatuto;
• se a sua efetivação se fará num referencial estratégico de soma zero, e nesse caso à
custa de que outros atores e de que forma;
• se tal poderá continuar a ser alavancado de forma quase exclusiva pelo vetor energético;
• se será passível de concretização sem que se registem alterações substanciais no sistema
político e económico interno, nomeadamente a sua abertura e liberalização,
respetivamente;
• em que medida a transição política pós-Putin poderá contribuir para o seu potenciar
e/ou inviabilização.
4 O que, conjugado com a perda do fator ideológico do regime, poderão ser as grandes causas do abandono
involuntário da “tentação imperial”.
5 De salientar que foi exatamente o potencial energético russo que permitiu a rápida recuperação de duas
grandes crises económicas, em 1998 e 2008, tendo o país saldado toda a sua dívida externa.
A Força da Vontade, a Arte do Possível: Geopolítica 14 e Geoestratégia da Federação Russa
Obviamente que o complexo exercício de prospetiva geopolítica e geoestratégica
passível de dar resposta direta às questões atrás mencionadas encontra-se para além
da mera racionalidade, constituindo como que uma improbabilidade lógica, dadas as
inúmeras variáveis internas e externas que lhe estão subjacentes e que o influenciam e
determinam. Contudo, uma análise objetiva, despida de dogmatismo e isenta de preconceitos
da realidade russa nas suas principais dimensões, bem como uma correta e
cuidada leitura dos indícios de eventuais itinerários evolutivos, em muito poderá apoiar
ao seu esclarecimento, sendo o que o presente trabalho se propõe efetuar de forma
despretensiosa.
     
 
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