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4.2.2.11. NATO
O atual relacionamento da Federação Russa com a NATO é profundamente marcado
e condicionado pelo clima de desconfiança e antagonismo que vigorou entre esta
organização e o Pacto de Varsóvia durante décadas, diretamente causa e efeito do quadro
relacional americano-russo, e em que de certo modo a existência de cada uma das organizações
constituía motivo necessário e suficiente para justificar a existência da outra.
Com a implosão da URSS e o fim daquele pacto defensivo, e decorrente da necessidade
de a NATO garantir a sua própria segurança, dada a emergência de novas ameaças
e riscos, incluindo por via do vazio estratégico entretanto criado na anterior buffer zone
soviética, esta organização não apenas manteve intacta a sua estrutura, como também
alargou a sua esfera de influência e ação.
Deste modo, numa primeira fase, e contando com o apoio inequívoco da generalidade
dos Estados-Membros, a NATO iniciou e concluiu o processo de alargamento para
o Norte, Centro e Leste europeu, integrando assim um número significativo de países
da região outrora pertencentes ao Pacto de Varsóvia, procurando numa segunda fase a
367 Fonte: Norwegian American Weekly (2009).
368 White House (2009).
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sua extensão à Geórgia e Ucrânia. Adicionalmente, saliente-se, e em simultâneo, embora
em moldes e com objetivos diferentes, também a União Europeia através do lançamento
de várias iniciativas havia começado o respetivo processo de alargamento, encerrando
ambos os processos uma complementaridade que provocou um clima de grande desconfiança
e apreensão em Moscovo.
Se o primeiro passo daquele processo de integração gerou pouca reação por parte
da Federação, dada a situação de grande debilidade estratégica em que se encontrava,
o timing e a tentativa de alargamento à Geórgia e Ucrânia provocou reações significativamente
diferentes. Por um lado, na própria Europa, em que a Alemanha, França e
Holanda manifestaram claramente as suas reservas à iniciativa, por outro, por parte dos
EUA, os principais apoiantes e dinamizadores dessa integração, e por último uma clara
rejeição por parte da própria Federação Russa, na altura já em processo de evidente
recuperação económica e estabilização política. Quanto aos eventuais novos Estados-
-Membros, a Geórgia e a Ucrânia manifestaram na altura uma clara vontade nesse
sentido, ainda que por via da evolução da respetiva política interna de ambos os países
tenham ocorrido significativas alterações desde então, assumindo atualmente, especialmente
a Ucrânia, uma atitude de cautela e expectativa, dada a situação de dependência
estratégica que apresenta de Moscovo e sensibilidade que a temática representa para a
Federação. Adicionalmente, no plano político interno ucraniano são também visíveis
claras clivagens, quer no seio dos principais partidos políticos, quer no seio da própria
opinião pública, já que é uma evidência a divisão entre os que pretendem uma aproximação
às estruturas político-militares ocidentais, nomeadamente a NATO ou União
Europeia, e os que desejam a manutenção ou recriação de uma relação privilegiada com
a Federação Russa.
Refira-se que o eventual downgrade da importância da Ucrânia por parte da Federação,
resultante especialmente da concretização dos projetos Nord e South Stream anteriormente
analisados, não significa, de todo, o desinteresse ou a alienação de Moscovo, já que o país
continua a ser percepcionado pela Federação como um ator pivotal cujo controlo direto ou
indireto se mantém como um objetivo nacional russo. Ainda assim, e também como referido
anteriormente, julga-se que a direção do esforço estratégico russo se focalizará, no quadro
de alargamento da influência da NATO, na manutenção e/ou aumento da influência
da Federação na Ásia Central, já que, se por um lado a perda da quase totalidade da anterior
buffer zone europeia está consolidada, por outro é vital para a estratégia energética russa a
Federação continuar a garantir o acesso às fontes energéticas daquela região.
A par deste processo, um outro teve início em 2002, logo após a Cimeira de Praga da
NATO, relativo à instalação de um escudo de defesa antimíssil no Mediterrâneo e países
europeus da Aliança, fortemente apoiado pelos EUA. Independentemente da razoabilidade
técnica e justificação estratégica que a Aliança apresenta para a sua implementação,
ou de outras retóricas institucionais, o facto é que para Moscovo tal é gerador de uma
elevada apreensão, dado que esse sistema é passível, do ponto de vista da Federação, de
anular ou limitar significativamente a capacidade estratégica nuclear russa, considerada
porventura a única credível e fiável e como tal encarada como vital para a sua defesa. A
A Força da Vontade, a Arte do Possível: Geopolítica 128 e Geoestratégia da Federação Russa
este propósito, e relembrando o diálogo mantido entre Medvedev, então Presidente da
Federação, e o Presidente Obama aquando da Cimeira de Seul, anteriormente referido369,
o segundo mandato presidencial de Obama, por via da maior liberdade de ação decorrente
da sua reeleição, bem como as restrições financeiras impostas ao sector de defesa
norte-americano, poderão de certa forma suavizar as pretensões norte-americanas e potenciar
o desanuviamento americano-russo neste âmbito.
Numa análise do quadro relacional da Federação Russa com a NATO, será fundamental
entender igualmente a perspetivação que a primeira possui da segunda, imagem
essa que se por um lado é claramente enformada pelos interesses nacionais russos, por
outro resulta de uma real percepção que existe no país, e especialmente no seio das suas
elites, relativamente à ameaça que a NATO representa para a segurança e interesses da
Federação. Deste modo, o racional dominante no atual regime russo reside no argumento
de que uma vez desaparecido o Pacto de Varsóvia, a Aliança Atlântica perdeu a razão da
sua existência370, pelo que, segundo Moscovo, a organização se deveria dissolver. Em segundo
lugar que a NATO constitui um instrumento norte-americano para a consecução
dos seus interesses nacionais, de que decorre, dada a dimensão militar norte-americana
na organização, a subordinação desta última aos EUA. Em terceiro lugar que a NATO
se constitui atualmente como um polícia global com liderança norte-americana, e finalmente
que a Aliança tem uma estratégia de intrusão no que é considerada a esfera de
influência russa, sendo especialmente sensível e preocupante a sua penetração no espaço
pós-soviético da Ásia Central.
Com Putin o relacionamento com a Aliança tem alternado entre a cooperação e a
hostilidade, não se afigurando credível uma provável inversão significativa da postura da
Federação neste quadro. Para além da incompatibilidade da agenda estratégica da Aliança
com os interesses nacionais russos, pelo menos assim encarado por Moscovo, o facto
é que a existência de um potencial inimigo como a NATO, convenientemente sempre
disponível, refira-se, possui uma significativa importância no plano da política interna
russa, já que a sua periódica ou conjuntural sobrevalorização constitui uma eficaz forma
de diversão da opinião pública, prática aliás utilizada igualmente por outros atores. Com
efeito, em tempos de crescente indignação popular para com o regime, a utilização da
NATO enquanto ameaça direta à Federação e aos seus interesses nacionais poderá servir
de catalisador e mecanismo de diversão tendente à sua acalmia, o que conjugado com
alguma percepção popular de que o “Ocidente” é de uma forma ou outra hostil à Federação
poderá em certa medida produzir os efeitos políticos desejados.
Quanto a estratégias de contenção e/ou inversão dos objetivos estratégicos da
NATO passíveis de utilização por parte da Federação, os vetores económico e energético,
especialmente este último, poderão constituir-se como a principal mais-valia que Moscovo
possui nesse quadro, bem como os mais eficazes. No que respeita ao vetor energético,
e para além da dependência da Rússia que neste âmbito a Europa possui, a Ucrânia,
369 Disponível em The Young Turks (2012). Consultado em Janeiro de 2013.
370 Foreign Policy (2003).
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igualmente dependente e importante país de trânsito de significativa quantidade de gás
natural russo com destino ao continente europeu, encontra-se numa situação de elevada
fragilidade, cuja inversão, se concretizada, apenas poderá ser possível no médio ou longo
prazo e mediante avultados investimentos e investidores externos dispostos a tal. Por
outro lado, no plano político e constituindo uma substancial vantagem para a Federação,
não será igualmente de descartar o cenário de exploração e capitalização das significativas
clivagens internas ucranianas atrás enunciadas por parte de Moscovo.
Quanto à eventual integração da Geórgia na NATO, e essencialmente devido à reduzida
importância que o país representa na geopolítica e estratégia energética russa371, Moscovo
terá grandes dificuldades na utilização do vetor energético enquanto mecanismo passível
de a contrariar. Contudo, e neste quadro existe algum paralelismo com a realidade ucraniana,
ainda que em menor dimensão, a exploração das divergências existentes na política
interna georgiana poderá constituir-se como o principal meio de contenção a utilizar por
Moscovo visando o impedimento da integração do país na NATO. Por outro lado, o garantir
da segurança e estabilidade do Cáucaso do Norte russo, a região de maior conflitualidade
no seio da Federação, poderá ser significativamente afetado, quer pela ação de atores externos,
quer por regimes da região hostis ou não cooperantes com o regime russo, bem como
pela conjugação destas modalidades, de que a Geórgia é um exemplo, dado o apoio que
forneceu aos rebeldes chechenos durante os conflitos que estes mantiveram com Moscovo.
Relativamente à recuperação pela Federação Russa de parte da influência que mantinha
nos países do Centro e Leste europeu entretanto integrados na NATO, julga-se que a
conjugação da sua dependência energética da Federação com as eventuais contrapartidas
geradas pelo projeto South Stream, bem como por todas as envolventes que este encerra,
poderá constituir o principal mecanismo para o efeito, de que os exemplos recentes de
adesão parecem evidenciar algum sucesso.
No que respeita ao quadro formal de cooperação entre a Federação e a NATO, e
para além da sua interconectividade e interdependência com o relacionamento de génese
bilateral com os EUA, o mesmo teve início formal em 1997, aquando da assinatura do
“Founding Act on Mutual Relations, Cooperation and Security Between Nato and the
Russian Federation”372. Releve-se que a assinatura deste ato, independentemente da retórica
do mesmo, se realizou numa fase de significativa debilidade estratégica da Federação,
pelo que, por parte desta, tal representou essencialmente, por um lado, uma tentativa de
controlo de danos decorrentes da perda da sua influência nos países europeus anteriormente
integrados na sua órbita, e por outro, como consequência direta, a percepção de
que os interesses da Federação foram significativamente prejudicados, percepção que
aliás perdurou e se mantém atualmente.
Saliente-se igualmente o facto de que no documento formal de institucionalização do
quadro cooperativo entre a Federação, a NATO e a OSCE, constituía o “principal instrumento
371 Relembre-se que a Geórgia, Azerbaijão e Turquia são parceiros na alternativa de escoamento de gás natural
com origem na Ásia Central ao Ocidente através do sistema BTC (Baku-Tiblisi-Ceyhan).
372 Disponível em Nato-Russia Council (1997).
A Força da Vontade, a Arte do Possível: Geopolítica 130 e Geoestratégia da Federação Russa
na diplomacia preventiva, prevenção de conflitos, gestão de crises, reabilitação pós-conflito e cooperação de
segurança regional”, o que na realidade no entanto nunca se concretizou. Por outro lado, ainda
que no mesmo documento nada se encontre explícito quanto a um eventual processo do
alargamento da NATO, o facto é que o teor geral do mesmo aponta, embora implicitamente,
para a inexistência de processos de alargamento ou expansão da sua área de influência,
quer para a Federação quer para a NATO, do qual resultaria obviamente a não integração de
novos membros por parte desta última. Deste modo, e independentemente da necessidade
ou razoabilidade do processo de transformação da NATO ou o seu alargamento a Estados
outrora integrantes da esfera de influência russa, o facto é que a Federação Russa mantém
a percepção de que a Aliança é um dos principais mecanismos que condicionam ou inviabilizam
a consecução de vários dos seus objetivos estratégicos.
Atualmente, e não obstante significativos desenvolvimentos no quadro de cooperação
NATO-Rússia que se têm registado nos últimos anos, de que é exemplo o apoio
russo ao empenhamento da Aliança no Teatro de Operações afegão373, a principal base
de partida da melhoria do respetivo quadro cooperativo continuará a residir em aspectos
que a Federação partilha com a organização, já que, como afirma Sergei Lavrov, a Federação
Russa e a NATO partilham apreensões e idênticas ameaças e desafios no quadro
de segurança e defesa global374.
Porém, como afirma igualmente Lavrov, a grande divergência com a NATO neste quadro
não reside na ameaça direta que a execução da doutrina militar da organização coloca à
Federação, mas sim na globalização do seu papel enquanto organização político-militar e na
tentativa de universalizar a sua postura, pelo que, perante tal quadro argumentativo, não se
afigura nem fácil nem simples uma convergência de interesses tendentes a uma maior cooperação.
Tal afirmação de Lavrov julga-se merecer uma referência particular, já que parece
estar em aparente contradição com o preconizado na Doutrina Militar russa de 2010, a qual,
de forma clara, encara o deployment das forças NATO para junto das fronteiras da Federação
ou do seu alargamento para leste como uma ameaça à Federação375. Com efeito, esta contradição
reflete essencialmente, em primeiro lugar, o carácter pragmático do atual Ministro dos
Negócios Estrangeiros russo, que naturalmente influencia a respetiva política externa, e em
segundo lugar que esse mesmo pragmatismo é projetado na subalternização do processo
de alargamento da Aliança ao Leste europeu, região quase totalmente integrada quer nas
estruturas NATO, quer nas da União Europeia, e desse modo a priorizar a eventual génese
global da NATO como a maior ameaça aos interesses russos. Estes, como anteriormente
referido, para além de especialmente visíveis e relevantes na Ásia Central, uma prioridade da
sua política externa, são igualmente relevantes no Norte de África, Médio Oriente ou Golfo
Pérsico, regiões a que, segundo a perspetiva russa, a Aliança estendeu e/ou poderá estender
a sua área de influência e atuação.
373 Uma listagem exaustiva poderá ser consultada em Nato-Russia Council (2012).
374 Foreign Policy (2003).
375 Fonte: http://news.kremlin.ru/ref_notes/461, tradução em inglês disponível em http://carnegieendowment.
org/files/2010russia_military_doctrine.pdf
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Por último, e ainda relativamente ao quadro de relacionamento e cooperação da Federação
com a NATO, a própria personalidade de Putin, a sua assunção da política externa e
de segurança e defesa russa, bem como a assertividade que tem evidenciado na crítica quanto
aos objetivos e intervenções que a NATO tem efetuado376, algumas das quais, saliente-se,
têm ferido substancialmente interesses nacionais russos377, constituem um fator adicional
de complexidade e dificuldade no quadro relacional e de cooperação com a organização.
     
 
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