Notes

"O Carnaval e a pureza

Os círculos protestantes basearam sua religião na ética básica que o indivíduo deve encontrar-se através trabalho e da produção. Por causa disso, se fez um corte profundo na liturgia tradicional, desviando-a dos símbolos lúdicos, da mística, fazendo-a resumir-se, como já citou o Bispo Dom Robinson Cavalcanti a “quatro paredes caiadas e um sermão”. No Brasil, tal somatório, enriquecido com a falta de formação intelectual, quer dos leigos, quer do clero, gerou uma visão falsa do mundo e do ser humano. Esta visão errônea do mundo e do ser humano mostra-se clara nas análises “críticas” da nossa maior festa popular: o Carnaval.

A mutilada liturgia do protestantismo brasileiro joga aos quatro cantos um de seus fundamentos: a cultura está sob o domínio do diabo. Lutero quis o fim dos conventos, do celibato, recolocando a vida eclesiástica de volta ao mundo. Mas, para estranheza de alguns, o protestantismo brasileiro “amaldiçoou” a cultura, em especial o Carnaval, criando uma parte onde certamente se encontraria o diabo no mundo. Essa armadilha de falsidades, que já ganhou lugar de destaque entre os evangélicos, tem ganhado respaldo no meio católico.

Na verdade, os excessos do Carnaval não roubam o seu valor lúdico, nem os benefícios das brincadeiras para a saúde da mente. A cultura brasileira é tida como alegre, festiva, quase infantil em suas expressões de beleza. Não existe mal no Carnaval em si. O mal faz-se sempre a partir do coração ou mente, como disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche no seu célebre Assim Falava Zaratustra: "para os porcos, tudo é porcaria". E, tal "porcaria", não necessita do Carnaval, muito menos da cultura, para ser e se expressar. Ela pode estar revestida de símbolos e cânticos sagrados e ser tão ou mais perversa do que uma uma festa popular, uma dança, uma expressão lúdica. Está no silêncio diante da injustiça ou no bem que não se faz por covardia e interesse."

Júlio Santiago