Notes

A dona da pensão

Billy Weaver viera de Londres no vagaroso trem vespertino, com conexão em Swindon, e quando finalmente chegou a Bath já eram cerca de nove da noite, e a lua se erguia no céu límpido e estrelado sobre as casas em frente à entrada da estação. «Perdão», disse, «mas há algum hotel bem barato não muito longe daqui? »Tente o Bell and. « Billy agradeceu, apanhou a valise e pôs-se a caminhar os quatrocentos metros até o Bell and. Elas tinham alpendres, colunas e escadas de quatro ou cinco degraus que levavam até a porta de entrada, e era óbvio que, em algum tempo distante, haviam sido residências muito elegantes.

Mas agora, mesmo no escu-ro, ele podia ver que a pintura dos batentes das portas e das janelas estava descascando e que o desleixo trouxera rachaduras e manchas às vistosas fachadas brancas. De repente, na janela de um andar térreo iluminada intensamente pela luz de um poste a cerca de cinco metros, Billy avistou um cartaz apoiado contra o vidro de um dos painéis superiores da janela. Billy parou de caminhar. Aproximou-se um pouco mais.

No tapete em frente ao fogo, dormia um pequeno dachshund enrolado em si mesmo, o focinho enfiado sob a barriga. Certamente seria mais confortável que o Bell and. Por outro lado, um pub seria mais conveniente que uma pensão. Haveria dardos à noite e muitas pessoas com quem conversar, e provavelmente seria também um bocado mais barato.

Depois de refletir assim por dois ou três minutos, no frio, Billy decidiu que iria retomar a caminhadas e dar uma olhada no Bell and. Quando estava no ato de recuar e voltar as costas à janela, subitamente seu olhar foi atraído e capturado, de um modo muito estranho, pelo pequeno cartaz que havia ali. Cada letra era como um enorme olho negro fitando-o através do vidro, que o cativava, compelia, forçava a ficar onde estava e não abandonar aquela casa, e, antes que desse por si, ele se afastou da janela e foi em direção à porta de entrada, subiu os degraus que levavam até ela e procurou a campainha. Bem ao longe, em um aposento dos fundos, ele a ouviu soar e então no mesmo instante – deve ter sido no mesmo instante porque ele nem tivera tempo de tirar o dedo do botão – a porta se escancarou e uma mulher surgiu.

Normalmente, quando se toca uma campainha, há uma espera de pelo menos meio minuto antes que a porta se abra. Billy deu um salto. Ela se afastou, mantendo a porta escancarada, e Billy viu-se automaticamente saltando para dentro da casa. A compulsão ou, para ser mais exato, o desejo de segui-la para dentro daquela casa era extraordinariamente forte.

»Eu vi o cartaz na janela«, disse, contendo-se. » Está tudo pronto para você, meu bem«, respondeu ela. Tinha um rosto oval e rosado e olhos azuis muito doces. »Eu estava a caminho do Bell and.

Dragon«, disse-lhe Billy. » Meu bem«, disse ela, »por que você não entra e sai do frio?Quanto a senhora cobra?Cinco shillings e seis pense por noite, café da manhã incluído. Se for muito caro«, acrescentou, »eu talvez possa abaixar um pouquinho o preço. Os ovos estão muito caros ultimamente.

Gostaria muito de ficar aqui. « Billy tirou o chapéu e cruzou a soleira da porta. »Pendure-o ali«, disse ela, »e deixe-me ajudá-lo com o casaco. Temos a casa inteira para nós«, disse, sorrindo para ele por sobre o ombro enquanto o conduzia ao andar de cima.

« A velhinha é meio maluca, disse Billy consigo mesmo. Mas por cinco shillings e seis pense por noite, quem é que dá a mínima? »Eu estava imaginando que a senhora deveria ter uma multidão de interessados«, disse educadamente. » Mas o problema é que tenho a tendência de ser só um bocadinho de nada exigente e difícil de agradar – se é que você me entende. » Tudo nesta casa está sempre preparado, dia e noite, para a remota possibilidade de que apareça um jovem agradável como você.

E é um prazer tão grande, meu bem, um prazer tão enorme quando, de vez em quando, abro a porta e vejo que está ali alguém que serve exatamente. « Ela estava no meio da escada e deteve-se com uma das mãos sobre o corrimão, virando a cabeça e sorrindo para ele com seus lábios pálidos. »Como você«, acrescentou, e seus olhos azuis passearam lentamente por todo o corpo de Billy, até os pés, depois novamente até a cabeça. « Subiram mais um lance de escadas.

»E este é todo seu«, disse. » » E você pode acender o aquecedor a gás a qualquer momento, se sentir frio. Obrigado«, disse Billy. »Estou tão feliz que tenha aparecido«, disse ela, olhando-o fixamente.

»Eu estava começando a ficar preocupada. Está tudo bem«, respondeu Billy, alegremente. » Mas antes de deitar, você não faria a gentileza de dar um pulinho até a sala de estar no térreo e assinar o livro? Todos têm que fazê-lo porque é a lei, e não queremos desrespeitar nenhuma lei a essa altura do processo, não é mesmo?« Ela fez um breve aceno, saiu rapidamente do quarto e fechou a porta. Bem, o fato de que a dona da pensão parecia ter alguns parafusos a menos não incomodava Billy nem um pouco.

Alguns minutos mais tarde, depois de desfazer a mala e lavar as mãos, ele desceu rapidamente até o térreo e entrou na sala de estar. A dona da pensão não estava lá, mas o fogo ardia na lareira, e em frente a ela o dachshund ainda dormia. Havia apenas outros dois registros acima do seu na página e, como sempre se faz com livros de hóspedes, Billy começou a lê-los. Um era de Christopher Mulholland, de Cardiff.

»Christopher Mulholland. Gregory Temple?«, disse em voz alta, vasculhando a memória. »Christopher Mulholland?...Rapazes tão charmosos«, respondeu uma voz atrás dele. Ela a segurava bem distante do corpo, e bem alto, como se a bandeja fosse o par de rédeas de um cavalo arisco.»Esses nomes me parecem familiares, de algum modo«, disse ele. »

Eles não eram famosos por algum motivo, eram? Jogadores famosos de críquete ou de futebol, ou algo assim?Famosos?«, disse ela, pousando a bandeja de chá na mesa baixa em frente ao sofá. » Eram ambos altos e jovens e belos, meu bem, exatamente como você. « Uma vez mais, Billy lançou o olhar sobre o livro. »Veja aqui«, disse, observando as datas.

»O último registro já tem mais de dois anos. Verdade?Sim, é isso mesmo. E o de Christopher Mulholland é de quase um ano antes – há mais de três anos. Meu Deus!«, disse ela, balançando a cabeça e suspirando suavemente. »

Wilkins?É Weaver«, corrigiu Billy. » Sabe de uma coisa?«, disse Billy. » Bem, veja – esses dois nomes, Mulholland e Templo, não apenas parece que me lembro de cada um deles separadamente, por assim dizer, mas de alguma forma ambos parecem estar ligados entre si. Como se os dois fossem famosos pelo mesmo motivo.

Que divertido«, disse ela. »Mas agora venha para cá, meu bem, sente-se ao meu lado aqui no sofá, e vou servir-lhe uma boa xícara de chá e um biscoito de gengibre antes de você ir para a cama. A senhora não deveria ter se incomodado«, disse Billy. Notou que tinha mãos pálidas e pequeninas, muito ágeis, e que tinha as unhas pintadas de vermelho.

»Tenho quase certeza de que foi no jornal que vi esses nomes«, disse Billy. » Espere um pouco«, disse. Mulholland... Christopher Mulholland... não era esse o nome daquele estudante de Etos que estava fazendo uma excursão a pé pelo West Country quando subitamente...Leite?«, perguntou ela. Quando subitamente...Estudante de Etos?«, disse ela. »

Mulholland certamente não era nenhum estudante de Etos quando veio até mim. » » « Ela indicou o lugar a seu lado, tocando o assento delicadamente, e sorriu para Billy, esperando que ele se aproximasse. »Pronto«, disse ela. »Que gostoso e aconchegante, não é?« Billy começou a bebericar o chá.

Ela fez o mesmo. Durante cerca de meio minuto, nenhum deles disse nada. Mas Billy sabia que ela o observava. De vez em quando ele sentia, muito de leve, um aroma peculiar que parecia emanar diretamente dela.

Mulholland adorava chá«, disse ela, depois de um longo tempo. » Mulholland. Suponho que ele tenha partido recentemente«, disse Billy. »Partido?«, disse ela, arqueando as sobrancelhas. »

» Mulholland também estava com dezessete anos. Mas creio que fosse um pouquinho mais baixo que você, na verdade tenho certeza de que era sim, e os dentes dele não eram nem de perto tão brancos quanto os seus. Você tem dentes lindíssimos, sr. Weaver, sabia disso?Eles parecem melhores do que são«, respondeu Billy. »

Templo, claro, era um pouco mais velho«, continuou ela, ignorando o comentário. » Uma o quê?«, perguntou Billy. Billy apanhou sua xícara e tomou outro gole de chá, pousando-a depois delicadamente no pires. Ele estava esperando que ela dissesse algo mais, mas parecia ter se perdido em outro de seus silêncios.

Sentado ali, Billy fixou o olhar no outro lado da sala, à sua frente, mordendo os lábios. »Aquele papagaio«, disse por fim. Enganou-me completamente quando o vi pela primeira vez através da janela. » Eu jurava que ele estava vivo.

Infelizmente, não mais. É extremamente inteligente o modo como foi feito«, disse ele. » E você já conheceu também o meu Basil?« Ela apontou com a cabeça o dachshund, enrolado tão confortavelmente em frente à lareira. Billy examinou-o com os olhos.

As costas estavam duras e frias, e, quando seus dedos afastaram os pelos para um lado, ele pôde ver a pele embaixo, enegrecida, seca e perfeitamente preservada. »Eu empalho eu mesma todos os meus animaizinhos de estimação quando eles morrem. Você aceitaria mais uma xícara de chá?Não, obrigado«, disse Billy. O chá tinha um ligeiro sabor de amêndoas amargas de que não gostara muito.

PAUSA 8»Você assinou o livro, não assinou?Ah, sim. « Porque daqui a algum tempo, se eu por acaso me esquecer de como você se chamava, poderei sempre vir até aqui e procurar no livro. Mulholland e o sr. ...» «Templo», completou Billy.

« Desculpe-me perguntar, mas não houve nenhum outro hóspede aqui além deles nesses últimos dois ou três anos? »Segurando a xícara de chá bem no alto e inclinando a cabeça ligeiramente para a esquerda, olhou para ele de soslaio e sorriu-lhe delicadamente mais uma vez. «Não, meu bem», disse. «Só você».